
US$ 47 Trilhões estão chegando: Por que o Futuro da Moda Passa pelo Bolso das Mulheres
O Global Wealth Report 2025 projeta uma transferência global de riqueza de US$ 83 trilhões nos próximos 20–25 anos. Desse total, cerca de US$ 9 trilhões vão circular entre cônjuges (transferências horizontais) e US$ 74 trilhões vão passar entre gerações (pais para filhos, avós para netos). As mulheres devem herdar algo em torno de US$ 47 trilhões, mais da metade desse montante.
Os EUA lideram o volume, com cerca de US$ 29 trilhões. Mas o dado que interessa diretamente ao nosso mercado é outro: o Brasil aparece em segundo lugar, com algo próximo a US$ 9 trilhões em riqueza sendo transferida nas próximas décadas.
Ao mesmo tempo, outro relatório da UBS indica que as mulheres já gerenciam US$ 32 trilhões em gastos globais e caminham para controlar algo como 75% da renda discricionária (aquilo que sobra para consumo de moda, beleza, viagem, etc.) nas próximas décadas.
Do lado do consumo, o recorte fecha:
O mercado de vestuário feminino no Brasil movimentou cerca de US$ 22,4 bilhões em 2024 e deve chegar perto de US$ 29,5 bilhões até 2033, puxado por maior consciência de moda e digitalização.
No fast fashion brasileiro, womenswear é o segmento dominante e o que mais cresce, com previsão de CAGR de quase 11% até 2033. Deep Market Insights
Ou seja: mais patrimônio nas mãos das mulheres + segmento de moda feminina crescendo = uma janela de oportunidade gigante para quem souber falar com essa nova “dona” do dinheiro.
O paradoxo: elas terão o dinheiro, mas não se sentem preparadas
A mesma pesquisa da UBS mostra o lado frágil da história. Entre mulheres com ao menos US$ 1 milhão investidos:
80% das que herdaram dos pais relatam dificuldades em administrar a fortuna, seja por falta de clareza sobre o volume real de patrimônio, seja por surpresas financeiras.
74% das entrevistadas não se sentem preparadas para lidar com a herança sem dificuldades.
Cerca de um terço sequer sabe como acessar a fortuna dos pais, como ela será dividida ou se existe um plano sucessório estruturado.
Traduzindo: teremos mulheres com muito capital, pouco preparo financeiro e alta necessidade de informação confiável. Essas pessoas vão buscar educação, curadoria, marcas que tratem seu dinheiro com respeito – não só preço e status.
Quem conseguir se posicionar como marca parceira dessa mulher investidora de estilo e patrimônio tende a criar relações de altíssimo valor ao longo do tempo.
O que isso muda para as empresas de moda
Esse cenário aponta para três mudanças de mentalidade importantes:
De “compradora de tendência” para “gestora de patrimônio de estilo”
Essa mulher não está apenas “gastando com roupa”. Ela passa a alocar parte de um patrimônio relevante em moda, acessórios, bolsas, joias, experiências. Isso muda a conversa: sai o discurso superficial de tendência, entra uma narrativa de valor, durabilidade, revenda possível, imagem de longo prazo.De campanha genérica para relacionamento profundo
Se uma parcela significativa da riqueza disponível estará nas mãos de mulheres, faz pouco sentido uma marca de moda seguir com campanhas que falam “para todo mundo” da mesma forma. Segmentação por fase de vida, estilo de trabalho, perfil de risco e expectativa de futuro passa a ser uma vantagem competitiva.Do foco em volume para foco em lifetime value
Em vez de pensar só em coleção a coleção, a pergunta vira:
“Como eu acompanho essa cliente ao longo de 10, 15, 20 anos de vida financeira mais robusta?”
Isso exige arquitetura de oferta (entrada, core, peças-investimento), calendário de relacionamento, serviços e um CRM que enxergue essa cliente como ativo de longo prazo.
Oportunidades estratégicas para o mercado de moda
Vamos traduzir essa tese em oportunidades concretas:
a) Coleções pensadas para a mulher que investe em si
Se o Brasil vai receber cerca de US$ 9 trilhões em riqueza transferida e boa parte disso vai parar nas mãos de mulheres, faz pouca diferença falar apenas em “tendência do mês”.
Há espaço para:
Linhas “investment pieces”: alfaiataria de alta qualidade, bolsas e calçados com acabamento superior, cápsulas assinadas com forte valor de revenda.
Modularidade inteligente: guarda-roupa que se multiplica em looks, entregando sensação de uso inteligente do dinheiro (combinações possíveis, menos peças ociosas).
Experiência de compra consultiva: atendimento que ajuda a montar “portfólio” de estilo – trabalho, vida social, viagem, eventos – em vez de empurrar só o que está no foco do momento.
b) Conteúdo e serviços sobre “valor”, não só sobre “tendência”
Se 74% das mulheres dizem não se sentir preparadas para lidar com patrimônio, há espaço para marcas de moda criarem conteúdo e serviços que falem de:
Custo por uso: explicar de forma simples por que uma peça de maior qualidade, usada 50 vezes, gera melhor retorno do que cinco compras impulsivas que saem do guarda-roupa em três meses.
Cuidados e manutenção: alongar a vida útil, ensinar a cuidar, oferecer ajustes e reparos.
Curadoria consciente: diferenciar “moda descartável” de “peças que sustentam a imagem ao longo dos anos”.
Essa conversa pode acontecer em lives, workshops, guias digitais, eventos em loja, e com parcerias com consultoras de imagem, planejadoras financeiras e plataformas de revenda.
c) Clubes, programas e comunidades voltadas para mulheres de alta renda
Relatórios sobre mercado de luxo mostram que mulheres de alta renda já movimentam dezenas de bilhões de dólares em compras de moda e acessórios, muitas gastando acima de £20 mil por ano em itens de luxo.
Para capturar essa cliente com poder de herança crescente, vale pensar em:
programas de relacionamento específicos para mulheres investidoras (benefícios em eventos, viagens, experiências de lifestyle);
comunidades de clientes top-tier, onde moda se cruza com temas como arte, colecionismo, carreira, bem-estar e filantropia;
experiências privadas (trunk shows, pré-vendas, visitas ao ateliê, encontros com designers).
Quem fizer isso com respeito – sem infantilizar nem tratar a cliente como “cartão de crédito ambulante” – tende a construir vínculos muito sólidos.
5. O papel do digital e do mercado brasileiro
O Brasil já tem uma base forte: o mercado de têxteis de moda deve ir de cerca de US$ 20,3 bilhões em 2022 para US$ 34,1 bilhões em 2030, impulsionado, em grande parte, por vestuário e, dentro dele, pelo segmento feminino.
No digital, a receita de e-commerce de moda no país passou de US$ 10 bilhões em 2024, com vestuário respondendo por boa parte desse total.
Isso significa que a mulher que vai herdar mais dinheiro:
já compra moda online;
já se informa pelas redes;
vai comparar preço, qualidade, serviço e narrativa de marca em poucos cliques antes de decidir onde investir seu dinheiro.
Para o executivo, a pergunta passa a ser: meu site, meu app, meu Instagram e minhas lojas conversam com essa mulher como dona do capital, ou ainda falam com ela como se fosse “acompanhante” de alguém?
6. Chamado à ação para quem lidera marcas de moda
Se, nos próximos 20 anos, as mulheres vão herdar algo como US$ 47 trilhões em riqueza, com Brasil no topo desse movimento, não é exagero dizer que o futuro da moda passa por entender essa nova fase da cliente.
Em vez de enxergar esse relatório só como curiosidade financeira, vale transformar em agenda:
reposicionar produto e comunicação para a mulher que investiga, compara e investe;
tratar loja, e-commerce e CRM como plataformas de educação e curadoria, não só de venda;
construir relações de longo prazo com mulheres que estão assumindo a gestão do patrimônio das famílias.
Quem fizer isso agora não vai disputar só a próxima coleção. Vai disputar o lugar de marca de confiança nessa década em que o dinheiro muda de mãos – e, principalmente, muda de mentalidade.