
Quando dados encontram moda: o papel do planejamento no varejo
Este texto reúne ideias práticas e reflexões estratégicas sobre como dados, pessoas e processos se encontram para transformar o varejo de moda. A entrevista explora desde a rotina do planejamento até o papel da inteligência artificial, com exemplos reais da operação brasileira e aprendizados de carreira.
Quem é Franco Moraes
Franco traz quase duas décadas de experiência no varejo de moda, com passagem longa pela Renner e atuação atual em planning & supply na Youcom. Formado em administração, ele construiu sua carreira unindo afinidade por números e curiosidade sobre o produto, passando por compras, planejamento e formação de times. Sua história ilustra como combinar técnica com liderança prática.
Planejamento: função técnica e estratégica
Para Franco, planejamento não é só controlar volumes e estoques — é traduzir comportamento do cliente em decisões que viabilizem criatividade e rentabilidade. Dados são fundamentais, mas só viram insumo quando transformados em informação acionável:
“Quando um dado está parado, é inútil.”
O objetivo do planejamento é tornar o risco mensurável e permitir debates qualificados com produto e estilo, evitando decisões baseadas apenas na intuição.
O triângulo Produto × Estilo × Planejamento
Franco destaca a tríade que comanda a construção de coleções. Cada área tem papéis complementares:
Produto: conhecimento técnico e oferta.
Estilo: visão de tendência e provocação criativa.
Planejamento: análise de risco, números e viabilidade.
Conflito é esperado e saudável quando existe respeito: é no debate que surgem escolhas maduras (e inevitáveis), como a "álbum de figurinha" — tem espaço limitado e decisões difíceis precisam ser tomadas.
Velocidade dos dados e aceleração digital
A pandemia acelerou a digitalização e encurtou prazos: o que antes levava semanas ou meses para apontar, agora aparece em dias no canal digital. Isso mudou a natureza do trabalho de planejamento:
Produtos “viralizam” e caem de interesse muito mais rápido (especialmente moda jovem).
O digital fornece sinais que a loja física não dá (visualizações, taxa de conversão, comportamento online).
Há a necessidade de “escolher brigas”: priorizar ações com maior retorno (princípio 80/20).
Complexidade logística do Brasil e decisões táticas
O país continental impõe lead times e heterogeneidade de demanda: um mesmo produto pode se comportar muito diferente entre regiões. Franco exemplifica como decisões logísticas (por exemplo, antecipar entrega a uma loja estratégica ou mover estoque de e‑commerce para física) podem gerar grandes ganhos. Um caso citado foi a reorganização do estoque entre e-commerce e lojas físicas no fim de ano — realocação que elevou vendas no período.
Trade-offs operacionais
Nem sempre é possível reagir na velocidade da tendência. O papel do planejamento é compreender o que está ao alcance (curto prazo) e prover caminhos de evolução: desenvolver fornecedores locais, negociar prazos logísticos, ou pagar por entregas prioritárias quando o ganho estratégico justificar o custo.
Erros fazem parte — como aprender com eles
Franco afirma que errar é inevitável e parte essencial do avanço. Exemplos práticos (erros operacionais, previsões equivocadas, equívocos de distribuição) acontecem, e o importante é tratar falhas como aprendizado: registrar, analisar causa raiz e ajustar processos para errar de forma diferente a partir da próxima vez.
“Erros são parte do avanço — agora vamos fazer os erros de outra forma.”
Pessoas e novas habilidades: o que o time precisa hoje
Além das ferramentas (Excel, Power BI, Python), Franco enfatiza competências comportamentais e cognitivas:
Capacidade analítica e gosto por hipóteses — mais importante do que dominar apenas uma função técnica.
Curiosidade e habilidade de fazer perguntas certeiras (prompting também serve no mundo humano).
Capacidades de liderança, desenvolvimento de pessoas e inteligências emocional e política — para alinhar times e negociar trade‑offs.
Em resumo: quem trabalha com planejamento precisa ser técnico, comunicador e líder.
IA: o que substitui e o que amplifica
Franco vê a inteligência artificial como grande aliada para reduzir tarefas operacionais e acelerar a formulação de hipóteses. Exemplos de ganhos:
Automatizar tabulações, correlações e a organização de informações (ganho de produtividade).
Gerar hipóteses e antecipar padrões para investigação humana.
Contudo, o contexto humano continua insubstituível: lojas, vizinhança, particularidades locais e julgamentos qualitativos precisam ser integrados ao output da máquina. A proposta é trabalhar com a IA como ferramenta que amplia a capacidade humana, não como substituta total.
Riscos e preocupações
Franco destaca questões relevantes:
Segurança e privacidade de dados — empresas precisam cuidar da governança.
Dependência excessiva e perda de capacidade crítica — há o risco de usar respostas prontas sem checar consistência.
Impactos sociais e comportamentais — mudanças no consumo e na forma como as gerações consomem cultura e informação.
Recomendações práticas para times de moda e varejo
Defina um norte claro: alinhe propósito e público-alvo — depois ajuste estratégia e tática.
Escolha métricas essenciais: tenha 3–4 KPIs prioritários (os demais ficam como suporte).
Alinhe o trinômio (produto, estilo, planejamento) com conflito saudável e critérios de decisão claros.
Escute a loja: envolva operações para entender limitações logísticas e oportunidades locais.
Teste e aprenda rápido: AB tests, realocação de estoque e promoções controladas ajudam a validar hipóteses.
Invista em pessoas: capacitação em dados, pensamento crítico e liderança são tão importantes quanto a ferramenta.
Use IA com propósito: automatize o operacional e dedique tempo humano ao raciocínio estratégico.
Reflexão final
Planejamento no varejo de moda é ao mesmo tempo técnico e criativo. Dados e tecnologia incrementam velocidade e precisão, mas as decisões finais dependem de pessoas capazes de traduzir sinais em ação, negociar trade‑offs e aprender com os erros. Como resume a conversa de Franco: é preciso ser frio na análise, questionar com inteligência e escolher as batalhas que realmente vão mover o ponteiro.
Se você trabalha com moda, varejo ou dados, essas percepções valem como checklist prático: alinhe o time, priorize métricas, entenda logística e treine a cabeça do time — não só as mãos. Quer aprofundar? Procure o episódio do uModeCast com Franco Moraes na uMode Fashion PLM para ouvir os detalhes e os exemplos que inspiraram estas reflexões.