
Por que comunidade virou ativo estratégico
Quando uma marca como a Adidas Originals abre uma flagship em Pinheiros e se apresenta, logo de saída, como “hub cultural e criativo”, não é só “joguinho de palavras”. A loja da Rua dos Pinheiros, 458, foi pensada para ter ativações, playlists especiais e experiências que conectam a comunidade local e os fãs da estética da marca. Não é apenas um ponto de venda: é um ponto de encontro.
Para quem dirige empresas de moda, esse movimento é um recado claro: sem conexão e comunidade, fica cada vez mais caro vender.
Vivemos um cenário de cliente cansado de anúncio, feed saturado e atenção cada vez mais disputada. Estudos sobre comunidades de marca mostram que, quando as pessoas se sentem parte de um grupo em torno da marca, a identificação aumenta a lealdade e a recomendação espontânea.
Entre os mais jovens, isso é ainda mais forte. Pesquisas recentes com Gen Z em moda apontam que lealdade nasce menos da propaganda e mais de relacionamentos de confiança e valores compartilhados – muitas vezes construídos via influenciadores e comunidades, não via campanha tradicional.
Traduzindo: quem sente que “faz parte” compra mais vezes, perdoa mais erros e vira mídia gratuita. Comunidade bem trabalhada reduz CAC, aumenta frequência e alonga o tempo de relacionamento.
O que a Adidas Originals está fazendo em São Paulo
A flagship de Pinheiros não é um projeto solto. A Adidas Originals vem, há anos, testando conceitos de loja pensados como destinos de comunidade: o design global “The Collection” e iniciativas como o conceito “Neighbourhood” foram criados justamente para virar epicentro de cultura de rua, onde sneakerheads e fãs de streetwear não só compram, mas passam tempo, descobrem arte, música e se encontram.
Em São Paulo, a comunicação é direta: mais do que uma loja, um local para ativações, collabs, playlists e experiências feitas para a comunidade da região. Na prática, isso transforma o endereço em mídia própria: cada evento, cada set de DJ, cada conteúdo gerado ali alimenta o funil digital e reforça desejo de produto.
Executivo de moda que olha para isso só como “loja bonita” está perdendo o ponto. É arquitetura pensada para reter gente, não só estoque.
Nike: quando comunidade vira o coração da marca
Nike é um dos exemplos mais claros de comunidade como estratégia. A marca construiu, ao longo de décadas, um ecossistema de clubes de corrida, treinos, desafios e apps que mantêm milhões de pessoas engajadas no dia a dia. O Nike Run Club e o Nike Training Club criam desafios, eventos e competições que fazem o cliente voltar toda semana, não só quando precisa de um tênis novo.
Análises recentes destacam que a Nike é a marca esportiva nº 1 do mundo, em parte porque colocou comunidade no centro: segmenta públicos, promove eventos locais, co-cria produtos com atletas e fãs e transforma esse relacionamento contínuo em lealdade e ticket recorrente.
Ou seja, antes de ser “loja + site”, Nike é uma comunidade global de atletas e sneakerheads. A venda é consequência desse ecossistema.
Lululemon: receita de dois dígitos construída em cima de comunidade
Outro case interessante para moda é Lululemon. A marca cresceu apoiada em aulas, encontros, clubes de corrida e yoga, transformando as lojas em pequenas academias e pontos de conexão. Em 2024, a empresa passou de US$ 10,6 bilhões em receita anual, com crescimento de 10% no ano.
Um dado importante: o programa Essential Membership, que dá acesso a conteúdos e experiências, cresceu quase 65% em um ano. Isso mostra na prática que comunidade estruturada, ligada a benefícios reais, gera base de clientes mais engajada, que compra mais e indica mais.
Na China, onde a marca vem crescendo forte, análises apontam que o sucesso está diretamente ligado a eventos locais, embaixadores e foco em estilo de vida saudável, ou seja, de novo, comunidade antes de produto.
The Iconic: quando ouvir a comunidade muda o resultado
Não é só luxo e esportivo. A australiana The Iconic, grande player de moda online, lançou em 2025 o programa de fidelidade “Front Row” co-criado com um grupo de 50 mil clientes da sua comunidade “Inner Circle”.
Depois dessa virada de foco em relacionamento e experiências, a empresa viu saltos importantes em métricas de marca e vendas:
– +34% em brand awareness não estimulado
– +39% em tráfego de site
– +69% em conversão
– +77% em intenção de compra
Tudo isso nasce de uma pergunta simples: “como envolvemos nossa base nas decisões?”. É comunidade convertida em estratégia.
O que isso tudo significa para executivos de moda no Brasil
Primeiro ponto: comunidade não é “grupo de WhatsApp” nem “mais um perfil no Instagram”. Comunidade é quando o cliente sente que faz parte de algo que existe mesmo quando você não está vendendo nada.
Na prática, isso pede algumas mudanças de mentalidade:
Loja como hub, não só PDV
A flagship da Adidas Originals em Pinheiros é um exemplo: ativações, música, collabs, espaço para a cena local.
Para qualquer marca, mesmo menor, a lógica é a mesma: eventos de clientes, encontros com estilista, customização, pequenos shows, talks. A loja vira lugar onde a comunidade se encontra, cria conteúdo e leva a marca para o mundo.Conteúdo que nasce da comunidade
Nike, Lululemon e The Iconic mostram o caminho: desafios, clubes, programas de pontos co-criados. Em vez de só empurrar campanha, ouça o que o grupo quer ver, testar e usar. Peça opinião sobre cores, nomes de coleção, formatos de evento. Isso aumenta engajamento e reduz risco de coleção errada.Métricas de comunidade ao lado das métricas de venda
Não basta olhar só faturamento. Quem está construindo comunidade mede também:
– quantas pessoas participam dos encontros;
– quantas voltam em 60–90 dias;
– quanto do faturamento vem de clientes recorrentes;
– quantos conteúdos (posts, vídeos, reviews) foram gerados pela base.
A literatura mostra que comunidades de marca fortes aumentam lealdade, recompra e recomendação, especialmente em momentos de incerteza econômica.
Como começar nos próximos 6 meses
Se você está lançando ou reposicionando uma empresa de moda, pense em três movimentos simples:
Escolha um grupo-foco: por exemplo, 100 clientes mais engajados de uma loja ou região. Crie um grupo fechado (WhatsApp, Telegram, Discord) e trate como “conselho de clientes”.
Programe encontros regulares: uma vez por mês, dentro da loja ou em parceria com algum espaço local, para apresentar novidades, ouvir feedback, testar protótipos.
Dê nome e propósito à comunidade: não é “grupo de desconto”. É um espaço para quem gosta de moda X, lifestyle Y, cidade Z. Isso dá identidade e facilita comunicação.
A Adidas Originals está colocando isso em prática em Pinheiros. Nike e Lululemon construíram bilhões em valor com base nessa lógica.
O recado para executivos brasileiros é direto: coleção sem comunidade vira estoque; comunidade bem cuidada transforma coleção em conversa, desejo e venda recorrente. Em um mundo em que mídia paga fica mais cara a cada trimestre, comunidade não é “nice to have”. É infraestrutura de crescimento.