
“Offline não morreu”: por que as lojas físicas seguem essenciais na moda (e como integrá-las ao online)
Por João Risoleo, CEO da uMode
Falo como quem trabalha com empresas do varejo de moda todos os dias: a loja física não é um resquício do passado; ela é o motor que, conectado ao digital, acelera descoberta, experimentação e entrega. A notícia da semana ajuda a provar o ponto: a Shein, nascida 100% online, anunciou seis lojas permanentes na França, começando pelo BHV Marais, em Paris, e seguindo para Dijon, Reims, Grenoble, Angers e Limoges. O próprio comunicado fala em revitalizar centros urbanos e cita a criação de cerca de 200 empregos.
O que a loja entrega que o site não resolve sozinho
Na prática, a jornada de compra ficou híbrida. Quando medimos comportamento real, o cliente que usa vários canais (pesquisa online, visita loja, compra no app…) gasta mais do que quem usa um canal só. Em um estudo com 46 mil consumidores, o gasto cresceu à medida que os canais aumentaram. Ou seja: loja e e-commerce se potencializam, não se canibalizam.
Outro ponto que raramente entra na conversa: devoluções. Em 2024, o varejo americano projetou US$ 890 bilhões em itens devolvidos (16,9% das vendas). As taxas online são mais altas do que a média, ou seja, provar na loja, ajustar tamanho e resolver dúvidas antes da compra ajuda a derrubar custo e atrito. Transformar a loja em hub de troca ágil também reduz “volta” de mercadoria pelo correio.
Métrica simples para quem decide: conversão
No digital, a moda costuma converter em 2%–3% (varia por nicho; mulheres geralmente convertem mais do que homens, acessórios convertem ainda melhor). Em loja física, a conversão é de dois dígitos na maioria dos formatos, frequentemente na casa de 20%– 40%. Em linguagem direta: um fluxo menor, mas muito mais gente saindo com sacola. Use esse contraste para desenhar o papel de cada canal.
Por que a Shein foi ao físico (e o que executivos podem copiar)
Vitrine de massa pronta. Estar no BHV Marais dá audiência imediata, PR e prova social. Você entra no mapa de quem passeia, fotografa e indica. Pense em endereços que já são mídia na sua praça.
Ajuste fino de sortimento. O físico revela, em dias, o que veste bem, onde e para quem. O online sozinho enxerga clique; a cabine mostra caimento e dúvida real (barra, modelagem, tecido).
Fulfillment inteligente. A loja vira mini-CD: retirada do pedido (BOPIS), troca rápida e até despacho a partir da loja mais próxima, encurtando prazo e frete. Boa parte dos clientes compra algo a mais quando vai retirar.
Comunidade e conteúdo. Eventos, lançamentos, creators locais — a loja vira estúdio ao vivo que alimenta o social e traz tráfego de volta ao site.
Como eu explico para conselho e diretoria
Defina o papel da loja por praça. Algumas serão showroom/experiência, outras hub de retirada e troca, outras geradoras de tráfego (flagship). Escreva isso em uma linha para cada unidade.
Conecte estoques e pedidos. Mostrar estoque de loja no site e roteirizar o pedido pelo ponto mais próximo reduz prazo e quebra a objeção do frete. É o básico do omnichannel bem-feito.
Meça o que importa no híbrido.
• Conversão da loja (visitantes → compras).
• % de pedidos atendidos por loja (retirada e ship-from-store).
• Devolução por canal (busque cair no online ao ativar prova/ajuste na loja).
• “Compra extra” na retirada (quanto a visita de BOPIS adiciona ao ticket).
Treine o time para o novo fluxo. Balcão de retirada não é “fila de caixa”; é ponto de relacionamento com roteiro de sugestão e solução de dúvidas.
“Mas o online não vai matar as lojas?”
Essa frase ignora o dado mais consistente da última década: o cliente compra nos dois, muitas vezes no mesmo dia. Pesquisas recentes mostram que o físico influencia uma parte relevante das vendas digitais (gente que viu, provou ou retirou na loja e fechou no mobile). Em períodos de pico, o híbrido domina: pesquisar online, checar estoque local, passar na loja e finalizar em qualquer canal. É exatamente por isso que players nativos digitais, como a Shein, estão abrindo portas.
Para levar (e aplicar já)
Lojas físicas não são obsoletas; são enganadas quando usamos métrica errada. Troque “vendas por m²” isoladas por indicadores omnichannel (conversão, pedidos atendidos pela loja, redução de devolução online).
Escolha 1–2 papéis por unidade e alinhe processos e metas.
Comece pequeno: pilote retirada e trocas em 2–3 lojas, exponha estoque local no site, treine o time para oferecer complemento na retirada. Registre o impacto por 12 semanas.
Use endereços “mídia” para ganhar awareness rápido (como fez a Shein no BHV).
Se eu pudesse resumir para outros executivos: o online não acabou com a loja, ele deu um novo trabalho para ela. E, quando a gente assume isso de forma estratégica, a loja volta a ser onde tudo se encontra: desejo, prova, serviço e velocidade.