
Como a Havaianas virou referência global de lifestyle (e o que sua marca pode aprender)
Por João Risoléo, CEO da uMode
Poucas marcas transitam com naturalidade entre a “cesta básica” do Brasil e as passarelas europeias. A Havaianas fez dessa dualidade uma vantagem competitiva: mantém preço de entrada acessível e, ao mesmo tempo, eleva desejo com hotspots (lugares icônicos e de alto tráfego cultural), colaborações com moda e luxo e uma narrativa consistente de brasilidade.
O resultado aparece no curto prazo: no 2º trimestre de 2025, a Alpargatas reportou R$ 87 milhões de lucro líquido (alta superior a 270% vs. ano anterior) e 49 milhões de pares vendidos no mundo entre abril e junho, com avanço de +6% em volume na Europa e +30% nos EUA. Esses números sustentam a ambição global apresentada pela CMO Maria Fernanda Albuquerque: firmar o chinelo como objeto de desejo – sem abandonar a base democrática.
A arquitetura de marca: identificação + aspiração
O motor estratégico combina dois pilares. Identificação é a conexão olho no olho com o brasileiro — disponibilidade, preço, presença no varejo alimentar, parcerias populares (como Corinthians). Aspiração é o reposicionamento cultural: campanhas fashion, Gigi Hadid como primeira embaixadora global, aparições no verão europeu (de Kylie Jenner a “it girls”), e collabs que estouram no TikTok. Esse balanço evita a armadilha de elitizar a marca: a Havaianas pode lançar cápsulas de maior valor agregado e, ao mesmo tempo, garantir o clássico “R$ 20 no supermercado”.
Hotspots: quando o ponto físico vira mídia viva
A aposta em lugares-símbolo transforma o ponto de venda em plataforma cultural. A parceria com o Copacabana Palace resume a tese: ancorar-se em endereços que concentram públicos com alto potencial de influência, conteúdo e compra por impulso qualificado (viagem, lazer, experiências). A expansão desse modelo para Europa e Ásia amplia alcance sem depender apenas de mídia paga — cada hotspot vira um palco de desejo e uma vitrine internacional da “brasilidade cool”.
Collabs que criam escassez (e legitimidade fashion)
A colaboração com a Dolce & Gabbana elevou o símbolo Havaianas ao território do luxo mediterrâneo. A cápsula com a Zara esgotou em dias na Europa, validando poder de sell-out em varejo de massa fashion. Colabs de street (Bape, Mastermind), parcerias nacionais (Dendezeiro) e a experiência 3D com a Zellerfeld (primeiro flip-flop 3D do mundo, com escaneamento de pé) mostram amplitude de linguagem — do tech ao autoral. O ponto em comum é a história forte: collab não é logo somado a logo; é narrativa que abre ocasiões de uso e justifica preço.
Internacionalização com códigos locais
Fora do Brasil, a marca cresce ancorada em estilo de vida: leveza, informalidade e cor. Itália lidera na Europa, seguida por Espanha, Portugal, Reino Unido e França; a Grécia está entre os mercados que mais aceleram. Em Ásia-Pacífico, Austrália, Filipinas, Indonésia e Tailândia são pilares históricos. Já os Estados Unidos seguem como fronteira estratégica: público mais funcional, foco em conforto e performance — onde a combinação de embaixadores certos e produto ajustado tende a destravar a próxima onda.
Produto, portfólio e pricing barbell
A lógica de portfólio é um “barbell”: de um lado, o básico onipresente (preço de entrada, distribuição massiva); do outro, edições especiais que elevam margem e desejo (materiais, design, storytelling, escassez). No meio, linhas com novas ocasiões (do beachwear ao look urbano), onde design, conforto e parceria com moda conectam a marca à vida fora da praia. A inovação 3D projeta a Havaianas para o discurso de customização e tecnologia sem perder sua essência simples.
O que executivos de moda podem aprender com o case
A primeira lição é clareza de arquitetura de marca: defina o que é base (escala e preço) e o que é halo (desejo e margem), e mantenha os dois vivos. A segunda é distribuição como branding: escolha hotspots que ampliem reputação global e gere conteúdo orgânico. A terceira é collab com curadoria: valores compartilhados, história relevante e exclusividade operável; sem isso, a parceria vira ruído. Por fim, medir o que importa: sell-out por cápsula, contribuição de margem, alcance e engajamento orgânico, tráfego qualificado por hotspot, lift de busca (Google/Pinterest) e recompras por mercados.
Resumo executivo para decisão: Havaianas prova que é possível escalar sem banalizar, ancorando-se na cultura, nos lugares certos e em colaborações que contam história. Para marcas brasileiras que miram relevância global, o caminho passa por arquitetura clara, distribuição inteligente e métricas que liguem desejo a resultado.